Neminem Laedere

Responsabilidade civil é o que obriga o causador de dano a repara-lo. O artigo 927 do Código Civil reza que “aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repara-lo”. Aí está instituída a responsabilidade civil. Ao artigo 186 do mesmo código, coube definir ato ilícito, qual seja, ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência que viole direito e cause dano a outrem, ainda que exclusivamente moral. Discutível é a necessidade da violação do direito aliada ao dano para caracterizar o ato ilícito. Há quem diga que a simples violação do direito, por si só, acarreta dano à pessoa, não sendo efetivamente necessária a demonstração do dano. Conforme nos ensina Venosa, “o ato ilícito existe com ou dano” (VENOSA, pág. 04). Ainda sobre a necessidade da concomitância da violação de direito e dano, cabe salientar que a primeira parte do artigo 159 do Código Civil de 1916, dispunha da seguinte forma: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”. Percebe-se que o código antigo previa a desnecessidade da ligação da violação do direito com o dano, pois diz: um ou outro.
O Código Civil de 2002 não tratou da mesma forma, previu que ato ilícito resulta de conduta culposa que viole direito e cause dano a outrem. Mesmo com a diferença gramatical, há quem diga que não houve mudança no sentido do dispositivo.
Conforme Rui Stoco, a disposição do código anterior (violar direito ou causar dano a outrem) podia dar a interpretação de que a simples violação do direito por uma conduta culposa ensejaria a indenização, o que não é verdade, pois há violação de direito que não permite indenização, ou, ainda, que o simples dano, por si só, obrigaria o agente a repara-lo.
“Nesse texto vigente, afirma-se que só comete ato ilícito quem viola direito E causa dano. Ora, o ato ilícito existe com ou sem dano. Em outros termos, não há necessariamente dano no ato ilícito” (VENOSA, pág. 4).
Indiscutivelmente o legislador não foi claro, dano margem a interpretação equivocada. Nesse ponto, importante é dizer que nos cabe identificar a conduta que possa gerar a obrigação de indenizar. A pessoa adquirirá a obrigação de indenizar se a sua conduta for suscetível de punição. Verbi gratia, a inclusão indevida de pessoa em cadastro de restrição de crédito. Mesmo não havendo dano efetivo à pessoa, o fato de a empresa incluir o nome da pessoa indevidamente lhe atribui a obrigação de indenizar. A conduta foi culposa e violou direito, mas não causou dano efetivo, dispensa-se a comprovação ou a existência do dano.
Para chegarmos no objetivo para debate, falemos sobre as excludentes da responsabilidade. São elas, a culpa exclusiva da vítima, o fato de terceiro, o caso fortuito ou força maior e, no campo da responsabilidade contratual, a cláusula de não indenizar, que rompem o nexo causal entre o dano e a conduta do agente. Temos, também, o estado de necessidade, legítima defesa e o exercício regular do direito que isentam, em regra, o agente de reparar o dano. Nessa última modalidade há o nexo causal entre o dano e a conduta do agente, mas o dano não é indenizável, pois não constitui sequer ato ilícito, conforme artigo 188.
A culpa da vítima pode excluir totalmente a responsabilidade de reparar o eventual dano, desde que a culpa seja exclusiva. Conforme o artigo 945 do código civil, se a vítima concorreu culposamente para o dano, a indenização será fixada levando-se em conta a gravidade da sua culpa em relação à do agente. Deixemos o fato de terceiro por último.
O caso fortuito é o evento relacionado à atividade humana. Força maior é o que dá ao evento a força da natureza. Exclui a responsabilidade pelo fato de não apresentarem a conduta culposa do agente, já que não concorreu para o evento.
A cláusula de não indenizar também exclui a responsabilidade do agente. Porém, essa excludente só é permitida nas relações civil. O Código de Defesa do Consumidor, no artigo 51, I, declara nula de pleno direito a cláusula que obstar a responsabilidade do fornecedor. Convém lembrar que essa excludente só é possível no âmbito da responsabilidade contratual, visto que a lei nem é provida de qualquer tipo de cláusula e sim de artigos e seus desdobramentos.
O estado de necessidade, a legítima defesa e o exercício regular de direito não são sequer atos ilícitos, por isso não indenizáveis. Porém, se a conduta atingir bens de terceiros, o agente será obrigado a repara-lo, mas será acobertado pela ação regressiva contra o agressor ou contra pessoa que ocasionou a situação, nesse sentido o artigo 930 aludindo à hipótese do artigo 188, II (não constitui ato ilícito “a deterioração ou destruição de coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente”). Dessa forma, como no fato de terceiro, o agente responderá sim pelo dano, mas poderá entrar com ação regressiva.
Por último, o Fato de Terceiro. Mais coerente seria dizer que o fato de terceiro é excludente de culpabilidade e não da responsabilidade, pois o agente é obrigado a reparar o dano da vítima. Certo é que o agente de dano causado por fato de terceiro tem direito regressivo contra este, mas não deixa de ser obrigado a indenizar. Nada impede que a vítima acione diretamente contra o terceiro causador do fato, mas fora isso o agente arcará com os danos sofridos pela vítima. “A tendência da jurisprudência é admitir apenas excepcionalmente o fato de terceiro como excludente de culpa” (VENOSA, pág. 59), pois parece estranho alguém sem culpa ter o dever de reparar o dano. A jurisprudência vai no sentido de não admitir o fato de terceiro como excludente de responsabilidade. Fato é que no caso de fato de terceiro, o causador direto do dano é obrigado a repará-lo, buscando seu direito em via de regresso.


Escrito por Filipe Sanches.

Artigos 124 e 126 do Código Penal

"Do concurso de pessoas
Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade".(...)

"Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento
Art. 124. Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:
Pena – detenção, de um a três anos.

Aborto provocado por terceiro
Art. 125. Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena – reclusão, de três a dez anos.

Art. 126. Provocar aborto com o consentimento da gestante:
Pena – reclusão, de um a quatro anos.
Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.” (Código Penal)

Aborto é o arrebatamento da vida intra-uterina, ou seja, a interrupção da gravidez com a destruição do produto da concepção. Os artigos 124, 125 e 126 do Código Penal regulam o aborto provocado pela gestante (ou com seu consentimento), o aborto provocado por terceiro, sem o consentimento da gestante e o aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante. Interessante é a discussão que enriquece esse assunto no sentido do concurso de pessoas no crime de aborto entre o terceiro e a gestante. Para alguns, é possível o concurso, no qual o terceiro responde pelo artigo 126 e a gestante que também praticou atos de execução do tipo responde pelo 124. Porém, nosso ordenamento adotou a teoria Monista do concurso de pessoas, expressa no artigo 29 (“quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua
Culpabilidade”). Assim, quem concorre para o crime é submetido às penas a esse crime previstas.
A corrente majoritária entende que é possível o concurso de pessoas no aborto, caso em que o terceiro responderia pelo artigo 124. Mas, para isso, o terceiro deve ter agido somente no campo do consentimento. Para que o agente responda pelo artigo 124, a gestante deve ter praticado atos de execução também, senão o terceiro responderia sozinho pelo artigo 126, que prevê o simples consentimento da gestante. Logicamente, o artigo 124 não prevê somente o consentimento, se fosse assim, não teria razão de existir. Este último artigo expressa a atividade executória da gestante.
Nosso entendimento é o seguinte: para configurar concurso de pessoas envolvendo a gestante e um terceiro, é necessário que a gestante tenha uma função ativa no aborto e o terceiro tenha participação. Se a gestante apresentar tão somente o consentimento, aplica-se o artigo 126 ao terceiro e o artigo 124 à gestante, inexistindo concurso. Se a gestante e o terceiro praticarem juntos o aborto, aplica-se o artigo 124 aos dois, configurando o concurso. Assim, se o terceiro, nos moldes do artigo 29, concorrer para o crime do artigo 124, seja ajudando a gestante a abortar ou apenas influenciando no âmbito do consentimento. O que importaria nesse ponto seria a atitude da gestante. Se houve consentimento dela, atitude executória dela e atividade de um terceiro, o artigo 124 combinado com o artigo 29 aplica-se especificamente ao caso. Porém, se houve somente o consentimento dela e a atividade de um terceiro, aplica-se claramente o artigo 126 para o terceiro e o artigo 124 para a gestante, pois são crimes independentes: a gestante consentiu e o terceiro praticou o aborto. Ao contrário de a gestante praticar o aborto juntamente com o terceiro, como no caso anterior.


Escrito por Filipe Sanches.

Do direito de ação.

Discutível é a relação entre o direito material e o direito processual. Há quem entenda que ambos são autônomos, de existência independente. Há, assim, duas teorias sobre a natureza jurídica da ação: Autonomia do direito processual e a teoria imanentista. A primeira prega a separação do direito material do direito processual, “incluindo o direito de ação no âmbito do direito do direito processual” (COELHO, p. 203). A Teoria Imanentista reza a interligação entre o direito processual e o direito material, sendo o direito de ação um direito material. Assim, temos dentro do direito material o direito de ação, o direito processual e o material propriamente dito, mas todos formando o direito material.
A teoria imanentista é, também, chamada de teoria clássica ou civilista. Essa teoria nos leva a três conclusões:
→ Não há ação sem direito;
A ação não existe isoladamente, está sempre em conjunto com um direito. Nos leva a pensar que o autor tem sempre a razão.
→ Não há direito sem ação;
A ação serve para proteger o direito de eventuais violações, por isso o direito sem ação não é efetivo.
→ A ação segue a natureza do direito;
No direito romano havia a divisão entre direitos pessoais, ligando pessoas, e direitos reais, ligando pessoa a coisa. Assim, se o direito era pessoal, a ação seria pessoal, também. Da mesma forma com o direito real.
TEMOS AINDA, A AÇÃO COMO DIREITO AUTÔNOMO, A AÇÃO COMO DIREITO AUTÔNOMO E CONCRETO, A AÇÃO COMO DIREITO AUTÔNOMO E ABSTRATO E, AINDA, A DOUTRINA DE LIEBMAN.
Windscheid e Müther elaboraram a teoria da ação como direito autônomo, separando-se o direito de ação do direito material. O direito de ação, provocando o Estado para prestar a tutela jurisdicional, criaria a relação jurídica processual, regulada pelo direito processual. Em contrapartida, alguns autores defendem a existência do direito de ação apenas quando o direito material alegado fosse julgado procedente (teoria do direito concreto à tutela jurídica). Outros autores afirmam que sempre há o exercício do direito de ação, mesmo quando a pretensão seja improcedente (teoria do direito abstrato de agir).
Adolpho Wach, defensor da ação como direito autônomo e concreto prega que o direito de ação não pressupõe a violação do direito material, verbi gratia a ação declaratória negativa, em que o autor quer que seja declarada a inexistência de uma relação jurídica, ou seja, a inexistência de direito material. Defende, ainda, que o exercício do direito de ação, contra o Estado e o adversário, ocorre quando a pretensão seja acolhida, por isso, conhecida como teoria do direito concreto, liga a existência da ação à presença do direito material.
Ainda sobre a ação como direito autônomo e concreto, Giuseppe Chiovenda nos ensina que a ação seria um direito potestativo (direito de poder unilateralmente interferir na relação jurídica mantida com um terceiro), “poder de dar vida à condição para atuação da vontade da lei” (COELHO, pág. 206), exercido contra o adversário.
A ação como direito autônomo e abstrato foi estruturada pela doutrina elaborada por Heinrich Degenkolb e Alexander Plóz. A autonomia do direito de ação, conforme esses doutrinadores estaria no fato de não encontrar limites senão referentes a ele mesmo, como as condições da ação. É abstrato no sentido de que não tem qualquer relação com o direito material, independe da existência efetiva do direito material pretendido, basta a menção de sua existência pelo autor. É um direito exercido contra o Estado.
O Código de Processo Civil, portanto, segue o entendimento do processualista italiano Enrico Tullio Liebman, ou seja, a teoria eclética ou mista, pois se vale de critérios utilizados pelas teorias abstratas e concretas. Diferencia a ação constitucional da ação processual. O direito de ação constitucional é independente (abstrato) e autônomo, enquanto “a ação sob a ótica processual fica condicionada à observância de determinados requisitos relacionados ao direito material” (COELHO, p. 208). O direito de ação, então, não estaria vinculado à existência do direito material. Porém, o Estado prestará a tutela jurisdicional se presentes as condições da ação, quais sejam, a possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir e legitimidade ad causam.
Na esfera processual hoje atuante o direito de ação é um direito abstrato, de maneira que não está vinculado à efetiva existência do direito material. O direito de ação é, ainda autônomo, pois aquele que o exerce não está, necessariamente, acompanhado pelo direito material alegado e, mesmo que no fim do processo constate-se que não possui tal direito, exerceu, legitimamente, o direito de ação.

→ bibliografias:
- COELHO, FÁBIO ALEXANDRE, Teoria Geral do Processo, 1ª edição, 2004;
- THEODORO JUNIOR, HUMBERTO, Curso de Direito Processual Civil, 47ª edição, 2007.


Escrito por Filipe Sanches.

Observações sobre a redução da maioridade penal

A imputabilidade penal é a capacidade do agente de responder por seus crimes, diretamente relacionada com a maioridade penal. O vocábulo imputar provém da palavra latina imputare, significando atribuir (a alguém) a responsabilidade de alguma coisa. A pessoa penalmente imputável é aquela responsável pelos atos que pratica na esfera penal. Logo, a pessoa inimputável não pode ser responsabilizada penalmente pelo feito.
Atualmente, conforme o artigo 27 do código penal, “Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”.
Interessante observar que nas Ordenanças Filipinas, vigentes no Brasil durante parte da colonização, a imputabilidade penal iniciava-se aos 7 anos. Assim, a pessoa que completasse os 7 anos de idade, já poderia responder penalmente por seus atos criminosos. Já no Código Criminal do Império, que veio a substituir as Ordenanças supracitadas, a imputabilidade penal começava aos 14 anos de idade.
Ao contrário do que se pensa, o Estado membro pode legislar sobre matéria penal, sem necessidade de emenda à constituição. O artigo 22 da Constituição reza:

"Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
(. . .)
Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo". (Const. Federal)


Sendo assim, o próprio Estado membro pode, autorizado por lei complementar, estender a imputabilidade sobre os que hoje são protegidos por esse instituto. Fora disso, essa alteração, por lei, como muito se discute ainda, não é possível, visto que essa matéria é de ordem constitucional, prevista no artigo 228 da Carta Magna. Há quem diga que a imputabilidade penal para os menores de dezoito anos tornou-se um direito fundamental, pois o próprio Estado no momento de sua organização afirmou que não podem ser submetidos ao mesmo tratamento que os maiores de 18 anos.

"Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial". (Const. Federal)

Escrito por Filipe Sanches.

Assistência Jurídica Integral e Gratuita

Desde o início da vida em sociedade os homens buscam maneiras de solucionar conflitos que surgiam naturalmente entre os indivíduos. Passou-se o tempo da autotutela, em que as pessoas eram julgadas arbitrariamente, a justiça era feita “com as próprias mãos”. O Estado, com o fim de proteger os direitos das pessoas, centralizou para si a solução de determinados conflitos. Assim, sempre que houvesse um conflito a solucionar, ele deveria ser levado à apreciação do Poder Público. Surgiu, então, a necessidade de se viabilizar o exercício do direito de ação. O Estado, ao chamar para si o monopólio da função jurisdicional, acabou responsabilizando-se pela assistência jurídica aos que dela precisassem para a proteção em juízo de seus direitos. Diante das desigualdades instaladas na sociedade, faz-se necessária a assistência Jurídica prestada integral e gratuitamente pelo Estado. A Assistência Jurídica que o Estado deve prestar compreende desde a orientação até a isenção de custas judiciais: “Art. 9º - Os benefícios da assistência judiciária compreendem todos os atos do processo até a decisão final do litígio, em todas as instâncias.”(Lei 1.060/50) . Esse direito é concedido a uma determinada parcela do povo, com o fim de efetivar o acesso à justiça a todos que precisem dela, por isso, busca transpor alguns obstáculos: custas judiciais que onerem o sujeito; desigualdades entre as partes; litigantes habituais contra litigantes eventuais. Em Atenas observamos os indícios mais antigos da normatização sobre assistência jurídica aos que necessitassem. A primeira ordem legal da assistência jurídica foi criada por Constantino, em Roma, e incorporada à legislação de Justiniano.. Esse surgimento se dá sobre o princípio de que “todo o direito ofendido deve encontrar defensor e meios de defesa” (SOUZA, 2003, pág. 104) Antes da Carta de 1988, falava-se em assistência judiciária. Difere-se da assistência jurídica, pois esta “é aquela assistência para o ingresso em juízo, bem como também a assistência preventiva, pré-judiciária e a extrajudicial ou extrajudiciária” (SOUZA, 2003, pág.60). No direito brasileiro, o direito à assistência judiciária apresenta-se expressamente desde a constituição de 1934, excluída a de 1937. Conforme já dito, com a constituição de 1988 a assistência jurídica passou a integrar o rol de garantias e direitos fundamentais. A assistência Jurídica é especificamente regulada pela Lei 1.060/50 Têm esse direito os que possuem insuficiência de recursos. Tendo em vista que a assistência jurídica integral e gratuita é uma assistência social, é regulamentado, também, pelo artigo 203 da Constituição Federal, em seu caput: “A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social ...”. Os titulares desse direito também são determinados no artigo 5º, inciso LXXIV da Constituição. Para receber a assistência, basta a “simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família.” (art. 4º, Lei 1.060/50). Porém, cessando a necessidade, será revogada a assistência. Segundo Augusto Tavares Rosa Marcacini, a necessidade da pessoa deve ser configurada com base em alguns fatores, como número de pessoas que vivem no lar, doenças em família, aluguéis a serem pagos, observando que o patrimônio em si não influi na concessão desse direito. Porém, há outro caso em que o Estado presta a assistência jurídica. Implicitamente, os princípios do contraditório e da ampla defesa, exigem a prestação da assistência jurídica pelo Estado para o réu em âmbito penal, caso esse réu não constitua um advogado. Esse direito fundamental não é estendido a todos os indivíduos pelo fato de objetivar a igualdade material. Interessante lembrar que atualmente entende-se que esse direito também possa ser estendido a pessoas jurídicas, desde que seja desprovida de recursos.
Em regra, como regulado no artigo 134 da constituição de 1988, é função da Defensoria Pública prestar a assistência jurídica aos necessitados. É obrigação do Estado oferecer a assistência, mas órgãos não estatais podem, também, oferecê-la. Nem todos Estados têm a defensoria pública. Nesses Estados a assistência deve ser prestada pela Procuradoria de Assistência Judiciária, que integra a Procuradoria Geral do Estado. Interessante observar a existência de um convênio entre o órgão estatal responsável pela assistência e a OAB, que possibilita a nomeação de advogados particulares para prestarem a assistência no lugar do Estado A Assistência Jurídica prestada aos necessitados é regulada pela Lei 1.060 de 1950, que encontra fundamento constitucional no inciso LXXIV do artigo 5º da constituição federal. A Constituição também cria a Defensoria Pública e determina que Lei Complementar organize esse órgão que recebe a competência de assistir juridicamente os necessitados.

Escrito por Filipe Sanches.

Bem de Família

Um instituto proveniente do Direito Norte-Americano, chamado de “homestead” (local de seu lar), que isentava o bem da penhora, deu origem ao hoje chamado Bem de Família. Criado primeiramente pela lei texana de 26/01/1839 e, posteriormente, tratado pela lei federal americana de 20/05/1862, seu principal objetivo era povoar territórios desabitados. Regulamentava a concessão ao chefe de família, maior de 21 anos de idade, de terras entre 80 e 160 hectares, que devia cumprir algumas condições, como fixar residência no solo, tornar a terra produtiva e criar algumas benfeitorias. Eram expedidos atos legislativos, chamados de “homestead exemption laws”, que davam garantias às famílias, a fim de atraí-las. Uma das garantias era a isenção de penhora sobre tal bem, que tirava a preocupação das famílias quanto ao desalojamento.
Bem de Família é o título dado ao bem imóvel, residencial, urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, podendo abranger valores mobiliários, um bem que seja essencial à família. Esses tipos de bens recebem essa classificação com o fim de serem protegidos pelos efeitos jurídicos destinados aos Bens de Família.
É necessária essa proteção, pois o Bem de Família é o bem que a entidade familiar possui com destinação ao domicílio, por isso necessário à sobrevivência da entidade familiar.
Segundo a doutrina de Arnaldo Marmitt, essa proteção existe, principalmente, “contra a ganância lucrativa de entidades financeiras, de agiotas inescrupulosos e de outros elementos inconseqüentes, que soem apoderar-se dos pequenos patrimônios de seus devedores”. Segundo o mesmo autor, o Estado não poderia deixar somente ao particular a responsabilidade de proteger o imóvel residencial da família.
O Bem de Família tem duas classificações, pode ser voluntário (através da vontade dos cônjuges, ou entidade familiar) ou legal (por determinação da lei, na ausência da instituição pelo casal). Isso ocorre através do artigo 5º da Lei 8.009/90, que é um dispositivo supletivo, isto é, na ausência da instituição do Bem de Família pelos cônjuges, a lei determinará qual será esse bem.
O Bem de Família voluntário (também chamado de convencional) é o instituído pelos cônjuges, não podendo seu valor ultrapassar 1/3 do patrimônio líquido da entidade familiar.
O Bem de Família legal (também chamado de involuntário ou obrigatório) é o determinado pela lei quando os cônjuges, ou entidade familiar, não instituirem. Conforme o Parágrafo Único do art. 5º da Lei 8.009/90, será o de menor valor, se os proprietários possuirem mais de 1 bem imóvel com fim residencial.
Bens móveis também podem constituir o Bem de Família, conforme Carlos Roberto Gonçalves. É o caso dos valores mobiliários (art. 1.717, C.C.). Não constituirão Bens de Família: os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos(art. 3º da Lei 8.009/90).
O efeito legal dado ao Bem de Família é a impenhorabilidade, não podendo ser executado o imóvel por dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam proprietários e nele residam (art. 1º da Lei 8.009/90). Segundo Carlos Roberto Gonçalves, no entanto, a jurisprudência tem admitido a penhora do Bem de Família por não pagamento de despesas condominiais. A jurisprudência está em acordo com o artigo 1.715 do código civil: “ O Bem de Família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou despesas de condomínio.”. Além de dívidas relativas ao próprio Bem de Família(incisos I, II, IV e V), há outras exceções para a impenhorabilidade dele: Crédito de alimentos (pelo não pagamento de débito alimentar); Aquisição criminosa; Crédito de fiança locativa (“por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação”- art.3º, VII, Lei 8.009/90). O Bem de Família pode ser penhorado, por exceção, por motivos relacionados ao próprio prédio: não pagamento a trabalhadores do próprio bem e as contribuições previdenciárias; não pagamento de financiamento destinado à construção ou à aquisição; impostos, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; execução de hipoteca sobre ele instituida pelo casal ou entidade familiar.
O Bem de Família também não pode ser alienado sem o consentimento dos interessados e seus representantes legais, ouvido o Ministério Público.
Importante explanar que em casos de imóvel locado, a impenhorabilidade recairá sobre os bens móveis, que sejam necessários à residência nesse imóvel, quitados de propriedade do locatário.
Alguns doutos falam na transmissão do bem instituído, por lei ou não, como Bem de Família. Com isso o bem não seria mais de propriedade do instituidor, e sim da família. Na instituição desse bem, todavia, não ocorre a alegada transmissão, esse instituto é apenas uma forma de proteger o imóvel destinado à residência familiar, servindo como uma garantia de vida digna à família. Há transmissão do bem, porém, na situação em que a instituição é feita por testamento ou doação. Essa transmissão não é efeito da instituição, mas sim da forma dela (testamento ou doação).
A instituição do Bem de Família deve ser através de escritura pública, testamento, doação ou por lei. São legitimados a instituir Bem de Família: o chefe dela, tanto o marido quanto a esposa, e terceiro (com seu próprio patrimônio). O chefe da família deve criar o Bem de Família através de testamento ou escritura pública. Já o terceiro, por testamento ou doação. O instituidor nesses casos, deve ser o proprietário do bem instituído. Na instituição por lei, embora muito discutida, prevalece a posição de que não é necessária qualquer manifestação, consoante Washington de Barros Monteiro ao prefaciar monografia sobre o tema de autoria de Carlos Gonçalves: o Bem de Família voluntário é instituído conforme a Lei 6.015/73, art. 260 a 265. O Bem de Família involuntário, ou legal, “não depende desse formalismo e resulta de uma situação de emergência, que decorre da execução posta em juízo, com a penhora da casa de morada do devedor com os seus familiares.”
A extinção do Bem de Família se dá com a morte de ambos os cônjuges e a maioridade dos filhos, desde que não sejam sujeitos a curatela. Assim, a dissolução da sociedade conjugal não extingue o Bem de Família, mas se a dissolução for resultado da morte de um dos cônjuges, o outro poderá pedir a extinção do Bem de Família, se este for o único bem do casal. A constitucionalidade da Lei 8.009/90, foi discutida. Segundo Carlos Callage, a impenhorabilidade que esse lei garante, “torna inócuo o princípio universal da sujeição do patrimônio às dívidas, acolhido pela constituição (art. 5º, LXVII e LIV)...”. Porém, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por sua 11ª Câmara civil, em 24/09/1992 decidiu a favor da constitucionalidade da lei, pois tem o objetivo de garantir abrigo à família, condições de habitabilidade, “um mínimo à proteção de uma família” (Villaça).


Escrito por Filipe Sanches.