Assistência Jurídica Integral e Gratuita

Desde o início da vida em sociedade os homens buscam maneiras de solucionar conflitos que surgiam naturalmente entre os indivíduos. Passou-se o tempo da autotutela, em que as pessoas eram julgadas arbitrariamente, a justiça era feita “com as próprias mãos”. O Estado, com o fim de proteger os direitos das pessoas, centralizou para si a solução de determinados conflitos. Assim, sempre que houvesse um conflito a solucionar, ele deveria ser levado à apreciação do Poder Público. Surgiu, então, a necessidade de se viabilizar o exercício do direito de ação. O Estado, ao chamar para si o monopólio da função jurisdicional, acabou responsabilizando-se pela assistência jurídica aos que dela precisassem para a proteção em juízo de seus direitos. Diante das desigualdades instaladas na sociedade, faz-se necessária a assistência Jurídica prestada integral e gratuitamente pelo Estado. A Assistência Jurídica que o Estado deve prestar compreende desde a orientação até a isenção de custas judiciais: “Art. 9º - Os benefícios da assistência judiciária compreendem todos os atos do processo até a decisão final do litígio, em todas as instâncias.”(Lei 1.060/50) . Esse direito é concedido a uma determinada parcela do povo, com o fim de efetivar o acesso à justiça a todos que precisem dela, por isso, busca transpor alguns obstáculos: custas judiciais que onerem o sujeito; desigualdades entre as partes; litigantes habituais contra litigantes eventuais. Em Atenas observamos os indícios mais antigos da normatização sobre assistência jurídica aos que necessitassem. A primeira ordem legal da assistência jurídica foi criada por Constantino, em Roma, e incorporada à legislação de Justiniano.. Esse surgimento se dá sobre o princípio de que “todo o direito ofendido deve encontrar defensor e meios de defesa” (SOUZA, 2003, pág. 104) Antes da Carta de 1988, falava-se em assistência judiciária. Difere-se da assistência jurídica, pois esta “é aquela assistência para o ingresso em juízo, bem como também a assistência preventiva, pré-judiciária e a extrajudicial ou extrajudiciária” (SOUZA, 2003, pág.60). No direito brasileiro, o direito à assistência judiciária apresenta-se expressamente desde a constituição de 1934, excluída a de 1937. Conforme já dito, com a constituição de 1988 a assistência jurídica passou a integrar o rol de garantias e direitos fundamentais. A assistência Jurídica é especificamente regulada pela Lei 1.060/50 Têm esse direito os que possuem insuficiência de recursos. Tendo em vista que a assistência jurídica integral e gratuita é uma assistência social, é regulamentado, também, pelo artigo 203 da Constituição Federal, em seu caput: “A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social ...”. Os titulares desse direito também são determinados no artigo 5º, inciso LXXIV da Constituição. Para receber a assistência, basta a “simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família.” (art. 4º, Lei 1.060/50). Porém, cessando a necessidade, será revogada a assistência. Segundo Augusto Tavares Rosa Marcacini, a necessidade da pessoa deve ser configurada com base em alguns fatores, como número de pessoas que vivem no lar, doenças em família, aluguéis a serem pagos, observando que o patrimônio em si não influi na concessão desse direito. Porém, há outro caso em que o Estado presta a assistência jurídica. Implicitamente, os princípios do contraditório e da ampla defesa, exigem a prestação da assistência jurídica pelo Estado para o réu em âmbito penal, caso esse réu não constitua um advogado. Esse direito fundamental não é estendido a todos os indivíduos pelo fato de objetivar a igualdade material. Interessante lembrar que atualmente entende-se que esse direito também possa ser estendido a pessoas jurídicas, desde que seja desprovida de recursos.
Em regra, como regulado no artigo 134 da constituição de 1988, é função da Defensoria Pública prestar a assistência jurídica aos necessitados. É obrigação do Estado oferecer a assistência, mas órgãos não estatais podem, também, oferecê-la. Nem todos Estados têm a defensoria pública. Nesses Estados a assistência deve ser prestada pela Procuradoria de Assistência Judiciária, que integra a Procuradoria Geral do Estado. Interessante observar a existência de um convênio entre o órgão estatal responsável pela assistência e a OAB, que possibilita a nomeação de advogados particulares para prestarem a assistência no lugar do Estado A Assistência Jurídica prestada aos necessitados é regulada pela Lei 1.060 de 1950, que encontra fundamento constitucional no inciso LXXIV do artigo 5º da constituição federal. A Constituição também cria a Defensoria Pública e determina que Lei Complementar organize esse órgão que recebe a competência de assistir juridicamente os necessitados.

Escrito por Filipe Sanches.

Bem de Família

Um instituto proveniente do Direito Norte-Americano, chamado de “homestead” (local de seu lar), que isentava o bem da penhora, deu origem ao hoje chamado Bem de Família. Criado primeiramente pela lei texana de 26/01/1839 e, posteriormente, tratado pela lei federal americana de 20/05/1862, seu principal objetivo era povoar territórios desabitados. Regulamentava a concessão ao chefe de família, maior de 21 anos de idade, de terras entre 80 e 160 hectares, que devia cumprir algumas condições, como fixar residência no solo, tornar a terra produtiva e criar algumas benfeitorias. Eram expedidos atos legislativos, chamados de “homestead exemption laws”, que davam garantias às famílias, a fim de atraí-las. Uma das garantias era a isenção de penhora sobre tal bem, que tirava a preocupação das famílias quanto ao desalojamento.
Bem de Família é o título dado ao bem imóvel, residencial, urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, podendo abranger valores mobiliários, um bem que seja essencial à família. Esses tipos de bens recebem essa classificação com o fim de serem protegidos pelos efeitos jurídicos destinados aos Bens de Família.
É necessária essa proteção, pois o Bem de Família é o bem que a entidade familiar possui com destinação ao domicílio, por isso necessário à sobrevivência da entidade familiar.
Segundo a doutrina de Arnaldo Marmitt, essa proteção existe, principalmente, “contra a ganância lucrativa de entidades financeiras, de agiotas inescrupulosos e de outros elementos inconseqüentes, que soem apoderar-se dos pequenos patrimônios de seus devedores”. Segundo o mesmo autor, o Estado não poderia deixar somente ao particular a responsabilidade de proteger o imóvel residencial da família.
O Bem de Família tem duas classificações, pode ser voluntário (através da vontade dos cônjuges, ou entidade familiar) ou legal (por determinação da lei, na ausência da instituição pelo casal). Isso ocorre através do artigo 5º da Lei 8.009/90, que é um dispositivo supletivo, isto é, na ausência da instituição do Bem de Família pelos cônjuges, a lei determinará qual será esse bem.
O Bem de Família voluntário (também chamado de convencional) é o instituído pelos cônjuges, não podendo seu valor ultrapassar 1/3 do patrimônio líquido da entidade familiar.
O Bem de Família legal (também chamado de involuntário ou obrigatório) é o determinado pela lei quando os cônjuges, ou entidade familiar, não instituirem. Conforme o Parágrafo Único do art. 5º da Lei 8.009/90, será o de menor valor, se os proprietários possuirem mais de 1 bem imóvel com fim residencial.
Bens móveis também podem constituir o Bem de Família, conforme Carlos Roberto Gonçalves. É o caso dos valores mobiliários (art. 1.717, C.C.). Não constituirão Bens de Família: os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos(art. 3º da Lei 8.009/90).
O efeito legal dado ao Bem de Família é a impenhorabilidade, não podendo ser executado o imóvel por dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam proprietários e nele residam (art. 1º da Lei 8.009/90). Segundo Carlos Roberto Gonçalves, no entanto, a jurisprudência tem admitido a penhora do Bem de Família por não pagamento de despesas condominiais. A jurisprudência está em acordo com o artigo 1.715 do código civil: “ O Bem de Família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou despesas de condomínio.”. Além de dívidas relativas ao próprio Bem de Família(incisos I, II, IV e V), há outras exceções para a impenhorabilidade dele: Crédito de alimentos (pelo não pagamento de débito alimentar); Aquisição criminosa; Crédito de fiança locativa (“por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação”- art.3º, VII, Lei 8.009/90). O Bem de Família pode ser penhorado, por exceção, por motivos relacionados ao próprio prédio: não pagamento a trabalhadores do próprio bem e as contribuições previdenciárias; não pagamento de financiamento destinado à construção ou à aquisição; impostos, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; execução de hipoteca sobre ele instituida pelo casal ou entidade familiar.
O Bem de Família também não pode ser alienado sem o consentimento dos interessados e seus representantes legais, ouvido o Ministério Público.
Importante explanar que em casos de imóvel locado, a impenhorabilidade recairá sobre os bens móveis, que sejam necessários à residência nesse imóvel, quitados de propriedade do locatário.
Alguns doutos falam na transmissão do bem instituído, por lei ou não, como Bem de Família. Com isso o bem não seria mais de propriedade do instituidor, e sim da família. Na instituição desse bem, todavia, não ocorre a alegada transmissão, esse instituto é apenas uma forma de proteger o imóvel destinado à residência familiar, servindo como uma garantia de vida digna à família. Há transmissão do bem, porém, na situação em que a instituição é feita por testamento ou doação. Essa transmissão não é efeito da instituição, mas sim da forma dela (testamento ou doação).
A instituição do Bem de Família deve ser através de escritura pública, testamento, doação ou por lei. São legitimados a instituir Bem de Família: o chefe dela, tanto o marido quanto a esposa, e terceiro (com seu próprio patrimônio). O chefe da família deve criar o Bem de Família através de testamento ou escritura pública. Já o terceiro, por testamento ou doação. O instituidor nesses casos, deve ser o proprietário do bem instituído. Na instituição por lei, embora muito discutida, prevalece a posição de que não é necessária qualquer manifestação, consoante Washington de Barros Monteiro ao prefaciar monografia sobre o tema de autoria de Carlos Gonçalves: o Bem de Família voluntário é instituído conforme a Lei 6.015/73, art. 260 a 265. O Bem de Família involuntário, ou legal, “não depende desse formalismo e resulta de uma situação de emergência, que decorre da execução posta em juízo, com a penhora da casa de morada do devedor com os seus familiares.”
A extinção do Bem de Família se dá com a morte de ambos os cônjuges e a maioridade dos filhos, desde que não sejam sujeitos a curatela. Assim, a dissolução da sociedade conjugal não extingue o Bem de Família, mas se a dissolução for resultado da morte de um dos cônjuges, o outro poderá pedir a extinção do Bem de Família, se este for o único bem do casal. A constitucionalidade da Lei 8.009/90, foi discutida. Segundo Carlos Callage, a impenhorabilidade que esse lei garante, “torna inócuo o princípio universal da sujeição do patrimônio às dívidas, acolhido pela constituição (art. 5º, LXVII e LIV)...”. Porém, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por sua 11ª Câmara civil, em 24/09/1992 decidiu a favor da constitucionalidade da lei, pois tem o objetivo de garantir abrigo à família, condições de habitabilidade, “um mínimo à proteção de uma família” (Villaça).


Escrito por Filipe Sanches.