Neminem Laedere

Responsabilidade civil é o que obriga o causador de dano a repara-lo. O artigo 927 do Código Civil reza que “aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repara-lo”. Aí está instituída a responsabilidade civil. Ao artigo 186 do mesmo código, coube definir ato ilícito, qual seja, ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência que viole direito e cause dano a outrem, ainda que exclusivamente moral. Discutível é a necessidade da violação do direito aliada ao dano para caracterizar o ato ilícito. Há quem diga que a simples violação do direito, por si só, acarreta dano à pessoa, não sendo efetivamente necessária a demonstração do dano. Conforme nos ensina Venosa, “o ato ilícito existe com ou dano” (VENOSA, pág. 04). Ainda sobre a necessidade da concomitância da violação de direito e dano, cabe salientar que a primeira parte do artigo 159 do Código Civil de 1916, dispunha da seguinte forma: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”. Percebe-se que o código antigo previa a desnecessidade da ligação da violação do direito com o dano, pois diz: um ou outro.
O Código Civil de 2002 não tratou da mesma forma, previu que ato ilícito resulta de conduta culposa que viole direito e cause dano a outrem. Mesmo com a diferença gramatical, há quem diga que não houve mudança no sentido do dispositivo.
Conforme Rui Stoco, a disposição do código anterior (violar direito ou causar dano a outrem) podia dar a interpretação de que a simples violação do direito por uma conduta culposa ensejaria a indenização, o que não é verdade, pois há violação de direito que não permite indenização, ou, ainda, que o simples dano, por si só, obrigaria o agente a repara-lo.
“Nesse texto vigente, afirma-se que só comete ato ilícito quem viola direito E causa dano. Ora, o ato ilícito existe com ou sem dano. Em outros termos, não há necessariamente dano no ato ilícito” (VENOSA, pág. 4).
Indiscutivelmente o legislador não foi claro, dano margem a interpretação equivocada. Nesse ponto, importante é dizer que nos cabe identificar a conduta que possa gerar a obrigação de indenizar. A pessoa adquirirá a obrigação de indenizar se a sua conduta for suscetível de punição. Verbi gratia, a inclusão indevida de pessoa em cadastro de restrição de crédito. Mesmo não havendo dano efetivo à pessoa, o fato de a empresa incluir o nome da pessoa indevidamente lhe atribui a obrigação de indenizar. A conduta foi culposa e violou direito, mas não causou dano efetivo, dispensa-se a comprovação ou a existência do dano.
Para chegarmos no objetivo para debate, falemos sobre as excludentes da responsabilidade. São elas, a culpa exclusiva da vítima, o fato de terceiro, o caso fortuito ou força maior e, no campo da responsabilidade contratual, a cláusula de não indenizar, que rompem o nexo causal entre o dano e a conduta do agente. Temos, também, o estado de necessidade, legítima defesa e o exercício regular do direito que isentam, em regra, o agente de reparar o dano. Nessa última modalidade há o nexo causal entre o dano e a conduta do agente, mas o dano não é indenizável, pois não constitui sequer ato ilícito, conforme artigo 188.
A culpa da vítima pode excluir totalmente a responsabilidade de reparar o eventual dano, desde que a culpa seja exclusiva. Conforme o artigo 945 do código civil, se a vítima concorreu culposamente para o dano, a indenização será fixada levando-se em conta a gravidade da sua culpa em relação à do agente. Deixemos o fato de terceiro por último.
O caso fortuito é o evento relacionado à atividade humana. Força maior é o que dá ao evento a força da natureza. Exclui a responsabilidade pelo fato de não apresentarem a conduta culposa do agente, já que não concorreu para o evento.
A cláusula de não indenizar também exclui a responsabilidade do agente. Porém, essa excludente só é permitida nas relações civil. O Código de Defesa do Consumidor, no artigo 51, I, declara nula de pleno direito a cláusula que obstar a responsabilidade do fornecedor. Convém lembrar que essa excludente só é possível no âmbito da responsabilidade contratual, visto que a lei nem é provida de qualquer tipo de cláusula e sim de artigos e seus desdobramentos.
O estado de necessidade, a legítima defesa e o exercício regular de direito não são sequer atos ilícitos, por isso não indenizáveis. Porém, se a conduta atingir bens de terceiros, o agente será obrigado a repara-lo, mas será acobertado pela ação regressiva contra o agressor ou contra pessoa que ocasionou a situação, nesse sentido o artigo 930 aludindo à hipótese do artigo 188, II (não constitui ato ilícito “a deterioração ou destruição de coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente”). Dessa forma, como no fato de terceiro, o agente responderá sim pelo dano, mas poderá entrar com ação regressiva.
Por último, o Fato de Terceiro. Mais coerente seria dizer que o fato de terceiro é excludente de culpabilidade e não da responsabilidade, pois o agente é obrigado a reparar o dano da vítima. Certo é que o agente de dano causado por fato de terceiro tem direito regressivo contra este, mas não deixa de ser obrigado a indenizar. Nada impede que a vítima acione diretamente contra o terceiro causador do fato, mas fora isso o agente arcará com os danos sofridos pela vítima. “A tendência da jurisprudência é admitir apenas excepcionalmente o fato de terceiro como excludente de culpa” (VENOSA, pág. 59), pois parece estranho alguém sem culpa ter o dever de reparar o dano. A jurisprudência vai no sentido de não admitir o fato de terceiro como excludente de responsabilidade. Fato é que no caso de fato de terceiro, o causador direto do dano é obrigado a repará-lo, buscando seu direito em via de regresso.


Escrito por Filipe Sanches.

Artigos 124 e 126 do Código Penal

"Do concurso de pessoas
Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade".(...)

"Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento
Art. 124. Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:
Pena – detenção, de um a três anos.

Aborto provocado por terceiro
Art. 125. Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena – reclusão, de três a dez anos.

Art. 126. Provocar aborto com o consentimento da gestante:
Pena – reclusão, de um a quatro anos.
Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.” (Código Penal)

Aborto é o arrebatamento da vida intra-uterina, ou seja, a interrupção da gravidez com a destruição do produto da concepção. Os artigos 124, 125 e 126 do Código Penal regulam o aborto provocado pela gestante (ou com seu consentimento), o aborto provocado por terceiro, sem o consentimento da gestante e o aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante. Interessante é a discussão que enriquece esse assunto no sentido do concurso de pessoas no crime de aborto entre o terceiro e a gestante. Para alguns, é possível o concurso, no qual o terceiro responde pelo artigo 126 e a gestante que também praticou atos de execução do tipo responde pelo 124. Porém, nosso ordenamento adotou a teoria Monista do concurso de pessoas, expressa no artigo 29 (“quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua
Culpabilidade”). Assim, quem concorre para o crime é submetido às penas a esse crime previstas.
A corrente majoritária entende que é possível o concurso de pessoas no aborto, caso em que o terceiro responderia pelo artigo 124. Mas, para isso, o terceiro deve ter agido somente no campo do consentimento. Para que o agente responda pelo artigo 124, a gestante deve ter praticado atos de execução também, senão o terceiro responderia sozinho pelo artigo 126, que prevê o simples consentimento da gestante. Logicamente, o artigo 124 não prevê somente o consentimento, se fosse assim, não teria razão de existir. Este último artigo expressa a atividade executória da gestante.
Nosso entendimento é o seguinte: para configurar concurso de pessoas envolvendo a gestante e um terceiro, é necessário que a gestante tenha uma função ativa no aborto e o terceiro tenha participação. Se a gestante apresentar tão somente o consentimento, aplica-se o artigo 126 ao terceiro e o artigo 124 à gestante, inexistindo concurso. Se a gestante e o terceiro praticarem juntos o aborto, aplica-se o artigo 124 aos dois, configurando o concurso. Assim, se o terceiro, nos moldes do artigo 29, concorrer para o crime do artigo 124, seja ajudando a gestante a abortar ou apenas influenciando no âmbito do consentimento. O que importaria nesse ponto seria a atitude da gestante. Se houve consentimento dela, atitude executória dela e atividade de um terceiro, o artigo 124 combinado com o artigo 29 aplica-se especificamente ao caso. Porém, se houve somente o consentimento dela e a atividade de um terceiro, aplica-se claramente o artigo 126 para o terceiro e o artigo 124 para a gestante, pois são crimes independentes: a gestante consentiu e o terceiro praticou o aborto. Ao contrário de a gestante praticar o aborto juntamente com o terceiro, como no caso anterior.


Escrito por Filipe Sanches.